sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago



O mundo perde hoje, um dos maiores escritores da literatura mundial. Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922, em Azinhaga, uma aldeia ao sul de Portugal. Filho de agricultores sem terra que imigraram para Lisboa, abandonou a escola aos 12 anos para receber formação de serralheiro, um ofício que exerceria durante dois anos.

Autodidata, antes de se dedicar exclusivamente à literatura trabalhou ainda como mecânico, desenhista industrial e gerente de produção em uma editora.

Eu conheci Saramago há dez anos, quando li Memorial do Convento (obra que coincidentemente estou a 10 páginas de terminar de reler). O livro conta a história da construção do convento de Mafra no Sec. XVIII. Seus personagens são intrigantes, Baltasar Sete Sóis, Blimunda que é capaz de enxergar dentro das pessoas e capturar suas vontades, o Padre Bartolomeu que queria voar com a sua passarola. Com passagens históricas e fictícias, Memorial do Convento foi meu ponto de partida ao Universo Saramago.

"Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento de Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. Era uma vez." Trecho do Livro

O segundo livro do Saramago foi "A Jangada de Pedra". Nesta obra Saramago narra a separação fictícea da Península Ibérica do restante continente europeu. Foi neste livro que comecei a entender o estilo Saramago de fazer críticas a sociedade.

O terceiro livro "A Caverna" Saramago recorre ao mito de Platão para discutir as mudanças econômicas. Comunista, faz críticas ácidas ao modelo econômico.

Porém é "Ensaio Sobre a Cegueira" sua obra prima. O livro faz parte de uma trilogia sobre o ser humano. Nada é tão inquietante, desesperador do que a cegueira branca que assola ao mundo. O livro foi Prêmio Nobel em 1998, fazendo de Saramago o primeiro escritor de língua portuguesa a receber tal prêmio. O "Ensaio Sobre a Cegueira" é uma obra magnífica, perturbadora, onde vivemos a angústia de sermos todos cegos.

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." (Saramago).

O livro foi adaptado com o mesmo nome para o cinema por Fernando Meirelles, numa das melhores adaptações que já vi que um livro. Infos em Blindness

O vídeo do Youtube é a reação de Saramago ao ver pela primeira vez o filme.


Trecho do livro: "Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou, Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam”

Após "Ensaio sobre a Cegueira", fiquei algum tempo sem conseguir ler algo do Saramago. Seja pela intensidade, seja por ter medo de se decepcionar e não conseguir ler mais nada tão intenso. Porém, alguns anos depois eu li "As intermitências da Morte" e pude me apaixonar pela morte que se apaixona em vida? Sim sim...

Mulher que enxerga por dentro, homem que queria voar, cegueira, a vida e a morte. Tudo foi um tema para Saramago, uma crítica...

Hoje eu termino mais um livro deste escritor, mais triste do que normalmente termino um livro, pois termino com a certeza de que a literatura ficará mais sem graça e o mundo um lugar mais "cego" de se viver...

"Cada vez mais sós

Acho que todos nós devemos repensar o que andamos aqui a fazer. Bom é que nos divirtamos, que vamos à praia, à festa, ao futebol, esta vida são dois dias, quem vier atrás que feche a porta – mas se não nos decidirmos a olhar o mundo gravemente, com olhos severos e avaliadores, o mais certo é termos apenas um dia para viver, o mais certo é deixarmos a porta aberta para um vazio infinito de morte, escuridão e malogro."

Saramago “Cada vez mais sós”, in Deste Mundo e do Outro, Ed. Caminho, 7.ª ed., p. 216

2 comentários:

Le Akel disse...

Ensaio sobre a cegueira" deveria ser leitura obrigatoria por lei !
É a forma mais direta e clara de mostrar à sociedade o quanto é conveniente ser cego e apenas sobreviver . E a coragem e sofrimento de quem enxerga. Enfim, uma bela metafora da inercia humana sobre a opressão e o preconceito.
Uma boa discussão seria: as pessoas podem optar por enxergar? Ha quem diga que não, pois são condicionadas a sobreviver apenas. Não podem levar a culpa. Eu discordo.
Bjs

Deia disse...

Concordo Leticia! Acho que somos uma sociedade de cegos, pois o tempo inteiro estamos divididos entre aquilo que não vemos e aquilo que não queremos ver...Mas acho que no fundo optamos por aquilo que queremos enxergar e a culpa foge dos nossos olhos e julgamentos....nos enganando o tempo inteiro.....