Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. O sentirmos-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente ente margens afastadas.
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se são reminiscências de qualquer outro mundo em que houvéssemos estados - reminiscências cruzadas e misturadas como coisas vistas em sonhos, absurdas na figura que vemos mas não na origem se a soubéssemos. Não sei se houve outros seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que deles somos, de uma maneira incompleta - perdida a solidez e nós figurando-no-la mas nas só duas dimensões da sombra que vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A impossibilidade de nos figurar uma coisa a que correspondam, a impossibilidade de encontrar qualquer coisa que subsititua aquele a que se abraçam em visão - tudo isto pesa como uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou porquê.
(Fernando Pessoa - Livro do Desassossego - Fragmento 196 )
Um comentário:
"a impossibilidade de encontrar qualquer coisa que substitua aquele a que se abraçam em visão" Pessoa deixou um legado que a humanidade ainda não entendeu, talvez por estarmos como ele disse a sombra de nós mesmo...
Ótima citação.
Frank
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