segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Amor Líquido


 "A modernidade líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos - um amor líquido. A insegurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos"

O texto e o título deste post são partes do livro de Zigmunt Bauman, sendo o começo de uma provocação que levará o leitor sobre a fragilidade dos laços humanos. Longe de ser um livro de auto-ajuda sobre como conquistar e manter parceiros ou ainda sobre relacionamentos, vale lembrar que Bauman é um sociologo professor de Sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds. Ele tem vários livros traduzidos para o português, e o tema recorrente em sua obra são os vínculos sociais possíveis no mundo atual, neste tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade.

Assim como Baudelaire em "Le spleen de Paris" disse "Corte em pedacinhos e vai descobrir que cada um deles tem vida própria" o texto de Bauman vai fluindo sobre as principais questões do relacionamento humano. Cada pedaço tem vida própria, cada fragmento de texto nos leva a reflexões sobre a fragilidade dos laços humanos e como a era da informação está tornando os laços "flexíveis" gerando níveis de insegurança cada vez maiores. Na era das mídias sociais que os relacionamentos se dão em "rede", aos poucos Bauman vai mostrando que estas redes podem ser tecidas e desmanchadas com facilidade.

Com isso, não somente os vínculos amorosos e familiares são afetados e sim as relações humanas. O livro vai além e retrata como a dificuldade em se tratar um estranho com humanidade tem influenciado as políticas anti-imigratórias de diversos países.

O tema "relacionamentos" enfrenta um "boom" no mercado editorial. A cada dia são publicados mais livros sobre o tema na seção de auto-ajuda do que o leitor é capaz de ler. Enquanto isso um exército de pessoas consomem desesperadamente no intuíto de relacionar-se.

Se voltarmos a sabedoria dos gregos no "Banquete de Platão", a profetisa Diotima de Mantinéia resaltou para Sócrates que "o amor não se dirige ao belo" e sim a "geração e nascimento do belo". Ou seja não é feito ou ansiado por coisas prontas e amar está mais no processo de criação do que no ato pronto.

Bauman vai além e exemplifica que no amor existem dois seres e uma grande incógnita. Talvez por isso que este parece mais com um capricho do destino do que um ato de liberdade do ser. A liberdade de ser se incorpora ao outro e o amor individual não pode ser atingido. Para ser capaz de amar é necessário coisas como humildade, fé, coragem e disciplina. Mas numa cultura na qual se tornam cada dia mais raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar é cada dia mais díficil.

Segundo Bauman a nossa cultura consumista favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro e o desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência inspirada no estilo de vida consumista e dominante onde tratam-se os outros seres humanos como objetos de consumo e os julgam-se segundo este padrão. Assim o outro é na melhor das hipóteses parceiro de consumo ou companheiros na atividade e alegria de consumir, cuja presença pode intensificar esses prazeres.  Neste processo, os valores intrínsecos dos outros como seres humanos singulares vão desaparecendo. Com isso, valores como a solidariedade, fraternidade dentre outros valores humanísticos são os primeiros a desaparecer, fazendo os laços sólidos tornarem-se frouxos, ou ainda líquidos.

O Amor Líquido dá lugar ao Amor Sólido e numa sociedade onde o indíviduo dá lugar ao coletivo, as reflexões de Bauman se tornam cada dia mais pertinentes.


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Che 2 - A Guerrilha

Algum tempo fiz uma resenha sobre filmes com mote a Revolução Cubana. O post "Hasta La Victoria Siempre" foi uma sinopse de alguns filmes, dentre eles "Che".

Resolvi continuar o post após assistir "Che 2 - A Guerrilha". O filme é a continuação da biografia de Che Guevara. Após a Revolução Cubana, Che (Benicio del Toro) abandona Cuba com o intuíto de perpetuar os ideais revolucionários na America Latina.

Como Simon Bolivar, foi para a America Espanhola, libertando da Espanha, Che queria promover novamente a independência dessa mesma América dos grandes coronéis e o domínio americano.

O filme é baseado nos diários de Che e retrata seus últimos dias e a campanha na Bolivia quando foi capturado e morto pelo exército boliviano. Impossível não se emocionar com o filme e Benicio Del Toro consegue uma excelente caracterização.

Infelizmente a América Latina não estava pronta como ele pensava. Porém, os seus ideais ainda hoje se perpetuam e Che sempre será lembrado como um exemplo de idealismo.

A Cuba de Che resiste embora aqueles que são contrários ao regime cubano possam criticar  a falta de bens de consumo ou ainda a falta da liberdade de expressão. Porém, vamos a alguns fatos:

Segundo dados do PNUD Cuba está entre os 70 países do mundo que ostentam um alto Índice de Desenvolvimento Humano (acima de 0,800); em 2007 o IDH de Cuba foi 0,838 (51° lugar). Na América Latina, em 2007, só ficou atrás do Chile (40º lugar), Uruguai (46º) e Costa Rica (48º). O maior gasto, poporcional ao PIB, do mundo com educação pertence a Cuba (8,96% do PIB), seguida da Dinamarca (8,51% do PIB) e Suécia (7,66% do PIB).

Mesmo com o embarco econômico dos grandes "libertários e democratas americanos", Cuba ostenta altos índices de saúde, educação e saneamento básico. Infelizmente muitos acham que a falta de bens de consumo, liberdade e a ditadura são causadas pelo regime de Fidel e não pelo embarco econômico dos EUA.

Vale lembrar que quando Fidel fez a Revolução Cubana, este não tinha nenhum interesse em se aliar a ex-URSS ou ainda fechar o país. A ideia era promover a melhor distribuição de renda e elevar os patamares de qualidade de vida da população cubana.

Felizmente isso ele conseguiu e Cuba hoje possui uma das populações mais alfabetizadas do mundo, uma das maiores proporções de médicos por habitantes. Sendo maior inclusive do que os EUA que tem um sistema de saúde precário onde se exclui os mais pobres. O embarco econômico ainda continua e hoje o mundo assiste atento as reformas propostas por Raul Castro.

Por último como é sempre bom terminar algo com uma música o video que deixo é uma interpretação de "Mercedes Sosa - Balderrama" e foi enviada por uma pessoa muito especial :-)




Balderrama


A orillitas del canal

Cuando llega la mañana

Sale cantando la noche

Desde lo de balderrama



Adentro puro temblor

El bombo con la baguala

Y se alborota quemando

Dele chispear la guitarra



Lucero, solito

Brote del alba

Donde iremos a parar

Si se apaga balderrama



Si uno se pone a cantar

Un cochero lo acompaña

Y en cada vaso de vino

Tiembla el lucero del alba



Zamba del amanecer

Arrullo de balderrama

Canta por la medianoche


Llora por la madrugada.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Não Sei Quantas Almas Eu Tenho

Fernando Pessoa


Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.



Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo : "Fui eu ?"

Deus sabe, porque o escreveu.