domingo, 15 de fevereiro de 2009

Despertador

O despertador toca, são 16h. O rádio com relógio é uma das poucas coisas tecnológicas da casa. Uma tv antiga, os móveis de fórmica azul. As flores de plástico não precisam de cuidados. Os cuidados são apenas para o marido de cama. Um derrame comprometeu toda sua saúde. O despertador é programado para tocar as 8h e as 16h.
Ao tocar o despertador, ela corre para dar os remédios. A sua rotina é essa. Das poucas coisas que consegue se lembrar diáriamente é o remédio do marido. Uma rotina que criou na sua vida. Ela luta diariamente para não esquecê-la. Lutar pelas memórias é a sua virtude. As fotos de pessoas e momentos espalhadas pela casa onde cada lembrança é esquecida nos cantos...
A vida é contraditória pois passamos metade da vida tentando esquecer algumas pessoas e a outra metade tentando lembrar delas.
Ela tem Alzheimer, passa os dias lutando para lembrar como vivia. O despertador toca e ela volta para as suas lembranças, o remédio está ao lado da cama. Porém, ele não está mais lá. Quando ela chega perto da cama se despera. Fica angustiada atrás dele. A cama arrumada indica faz muito tempo que ele não está lá. Ela tenta se lembrar do que aconteceu. Uma angústia na memória e uma saudade no coração. Chora e a enfermeira vem e diz que ele já faleceu fazem mais de 2 anos e diz novamente que irá desligar o despertador. Ela implora novamente para que não faça. Precisa do despertador para se lembrar da família que um dia teve. Entender a sua saudade e chorar a sua tristeza. Pior do que ter uma lembrança ruim é não ter o que se lembrar pois somos o que vivemos e não aquilo que poderia ter sido. Ela se esqueceu novamente, voltou para a ausência de passado. Esperando o despertador das 8h da manhã para voltar a viver...

Nenhum comentário: