A porta de entrada era iluminada por um letreiro brilhante, o "A" no final nunca acendia. A porta era estreita e era guardada por um homem alto e meio gordo. Entre e fique à vontade dizia ele sem convicção colaborando para que os mais tímidos pensasse até em recuar.
Após andar no corredor estreito, havia uma pista de dança que sempre estava vazia, exceto por alguns solteiros se despedindo da solteirice, comemorando, prometendo nunca mais voltar lá. As cadeiras mais distantes eram cobertas por um estofado imitando couro, alguns rasgados.
No fundo, algumas garotas permaneciam sentadas ou andando atrás de um drink. Ela era a que mais andava pelo salão. Nunca sentava ou esperava um cliente. Sempre atenta as melhores oportunidades, ela os fisgava com os olhos e eles vinham enfeitiçados. Usava uma saia curta e gostava de blusas decotadas. Não gostava de colares, o corpo sempre à mostra. Os seus maiores adereços eram o batom vermelho e seus seios, nada mais.
Morava de aluguel num quarto da casa e se orgulhava de não ter ninguém.Somente a mãe doente que mandava dinheiro regularmente. "Eu trabalho para ela, justificava-se". Todas as noites eram iguais e a rotina era parte da sua maneira de existir. Somente o que era concreto ela deixava como parte da sua vida. As aspirações, medos e esperanças se desfaziam no primeiro cliente. O futuro era parte das suas confissões mais íntimas, mas era também apenas mais uma noite, uma bebida, um cliente.
O músico ficava no palco pobre de atrações. Os saltos cansados, a gola caida, os copos sujos, os cigarros apagados.
Porém, todas as noites, quando um homem entrava no salão, ele fazia um sinal para o músico e este começava a sempre a mesma música. Na terceira nota, ela já se levantava e sentava na mesa 9 que sempre estava reservada. Passavam-se alguns minutos e um homem se aproximava.
"Como vai minha querida?" Dizia ele sorrindo, beijando sua testa e sentando a mesa. O garçon já estava pronto e já trazia a bebida. Ela sorria, bebiam. Ela conversava e falava sobre a mãe doente e tudo mais. Ela tentava descobrir sobre ele e perguntava sobre sua mãe, ele dizia "todos temos uma origem". Não conseguia ir mais além nas suas descobertas. Quando ela tentava ir mais a fundo na sua investigação, ele desviava o assunto e logo perguntava sobre o seu dia. Ela se distraia, começava a falar compulsivamente. Ele apenas sorria e a contemplava. Quando ela se dava por si, muitas perguntas tinham passado. Subiam para o quarto e ela se despia aos olhares atentos dele. A luz acessa e aos poucos os corpos tomando formas. Roupas jogadas em cima da cadeira tão juntas quanto seus corpos e tão sem ordem como eles.
Adormeciam e quando ela acordava o quarto estava vazio e suas roupas sozinhas. Na cabeceira sempre o dinheiro e um pouco mais que ela escondia para estravagâncias. Sorria e ainda sonolenta sentia o amassado da cama e aquele cheiro que custava passar. Dormia abraçada ao travesseiro. As noites passam iguais e mais iguais ficavam, ela gostava da sua rotina. Todos precisam de uma rotina para se sentirem seguros. Aquele homem a confortava, conseguia paz, bebida e principalmente uma noite de sono. Todas as noites ela esperava ansiosamente os acordes do violão para ter a certeza que no fundo não era livre como costumava dizer e tinha medo como costumava negar.
Uma noite porém o repertório não teve aquela música. Já era mais tarde do que o habitual. Ela olhava a porta todo momento. Aos poucos esperava que ele se aproximasse e como de costume o músico começaria a tocar a sua música. A nossa música pensava. Mas aquela noite não tocou. O violão ficou mudo e ela desiludida. Bebeu, bebeu e não quis subir para o seu quarto. Amanheceu ali. Assim, acreditava que a noite chegaria mais rápido.
A noite seguinte foi de angústia e um violão sem os acordes conhecidos, mais bebidas e solidão. Uma nova rotina tomando conta das suas noites e ela apenas uma personagem do esquecimento, do tédio ou vítima de uma enorme catástrofe. Não sabia e não teria como saber.
Aos poucos, parou de olhar para a porta. Não iria permanecer sentada pois não estava acostumada a isso. Mas todas as noites, ela pede ao músico para tocar a sua música. Neste momento, ela deixa todos os clientes. Dirige-se a mesa nove, o garçon se aproxima trazendo a bebida. Ela se embebeda ouvindo o som. Nada mais.
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